sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Para ti...

Não resisto a pôr aqui um pedaço de um conto de Natal, escrito por Saramago, antologiado por Vasco Graça Moura,

Diz assim:

Um dia uma Professora teve uma ideia de Professora e mandou aos seus alunos que fizessem uma composição plástica sobre o Natal. Claro está que não empregou esta linguagem, o que disse foi: "Façam um desenho sobre o Natal. Usem lápis de cores, ou aguarelas, ou papel de lustro, o que quiserem. E tragam segunda-feira". [...] Os desenhos caíram na segunda-feira em cima da secretária da professora. [...] A Professora segura um desenho nas mãos, um desenho que não é melhor, nem pior que os outros. Mas ela tem os olhos fixos, está confusa, perturbada: o desenho mostra a invariável manjedoura, a vaca e o burrinho, e toda a restante figuração. Sobre esta cena já sem mistério cai a neve, e esta neve é preta. Porquê?

"Porquê?" pergunta a Professora à Menina que fez o desenho. A Menina não responde. Talvez mais nervosa do que quereria mostrar, a Professora insiste. Há na sala os risos cruéis e os murmúrios de troça que sempre aparecem em ocasiões destas. A Menina está de pé, muito séria, um pouco trémula. E responde, por fim: "Pintei a neve preta porque foi nesse Natal que a minha mãe morreu". Fez-se silêncio e a Professora pensou, assim o veio a contar mais tarde; "À Lua já chegámos, mas quando e como conseguiremos chegar ao espírito de uma criança que pintou a neve preta porque a mãe lhe morreu?"

Este é o outro lado do Natal, o lado do conforto. O conforto que desejamos para nós e o conforto que nos angustia saber haver crianças que o não têm. E que outros que um dia foram crianças também o não têm.

O conforto que gostamos de ver lado a lado com a alegria.

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